quinta-feira, 3 de março de 2011

Rua une passado de glória ao descaso de hoje

Um dos mais antigos redutos comerciais da capital mineira está desaparecendo. Próximo ao centro da cidade, a Rua Itapecerica, no Bairro Lagoinha, vive um momento de franca decadência. O local, que abrigou o segundo maior centro comercial e foi berço da boemia de Belo Horizonte, corre o risco de desaparecer.




Um dos mais antigos redutos comerciais da capital mineira está desaparecendo. Próximo ao centro da cidade, a Rua Itapecerica, no Bairro Lagoinha, vive um momento de franca decadência. O local, que abrigou o segundo maior centro comercial e foi berço da boemia de Belo Horizonte, corre o risco de desaparecer. Uma rua de diversificada arquitetura, com botequins cheios e sempre abertos, pensões, farmácias, mercados, bancos, vilas e casarões.
A rua fica próximo à Igreja do Bonfim, o que a fez se desenvolver como um dos principais centros comerciais da cidade. "Entre as décadas de 1960 e 1980, o comércio neste local era excelente. O que podíamos ver eram pessoas de todos os lugares. Aqui, já foi o coração de Belo Horizonte. Nós fomos esquecidos, assim como a história deste lugar", diz Paulo (nome fictício de um dos mais antigos comerciantes da rua, que não quis se identificar).
As pessoas que passam pela Itapecerica hoje não imaginam o quão movimentada ela foi, há cerca de 30 anos. "Era complicado andar aqui, mas se hoje você ficar atento, vai ver apenas quem reside no bairro", diz Maria da Conceição de Oliveira, 82 anos, segunda moradora mais antiga da rua. Ela se lembra de como era preciso chegar cedo à rua para comprar as melhores mercadorias. "A procura pelos mais diversos produtos era intensa, quem chegasse à tarde dificilmente encontraria o que realmente necessitava", relembra.
Nos anos 1960, os bares e botequins da Itapecerica reuniam artistas diversos. Eram encontrados atores, seresteiros, poetas e dançarinos, amantes da noite e da vida boêmia de Belo Horizonte. Com o crescimento da cidade, a Lagoinha, principalmente a Rua Itapecerica, foi obrigada a ceder espaço ao desenvolvimento. A construção do túnel Lagoinha-Glória, dos viadutos e a implementação do trem metropolitano mudaram drasticamente a imagem do bairro.
Para a moradora Joana Pereira Assis, 47 anos, a rua onde foi criada já não tem mais o charme e a beleza dos antigos casarões, e as pessoas que passam por ela hoje sentem medo. "Ninguém passa pela Itapecerica tranquilo. Esse monte de viaduto só fez atrair mendigos, viciados e malandros para a Lagoinha", completa.
Jorge Luiz Bicalho, 56 anos, é o proprietário de um dos mais antigos antiquários da região. Em sua opinião, com o progresso implementado na região, os comerciantes da rua estão tomando prejuízo e o poder público não toma qualquer providência. No entanto, ele não é contra o desenvolvimento da cidade. "Não acredito que haverá modificações radicais na rua, ela está acabando, e vários políticos já estiveram aqui, prometeram milhares de coisas e não fizeram nada", lamenta o comerciante.
"Os novos viadutos vão prejudicar o comércio da rua". A opinião de Antônio Silva, 49 anos, proprietário de uma loja de móveis usados na Itapecerica. Com as obras, o trânsito na rua vai acelerar e desafogar o fluxo da Antônio Carlos. "O volume de pedestres vai diminuir muito, os carros não vão ter como parar e, com isso, ficará muito difícil manter a loja aberta", observa.
Os moradores têm um sentimento de nostalgia e continuam acreditando em uma retomada positiva da região, quando o progresso da cidade seja também sinônimo da valorização de uma das mais tradicionais regiões de Belo Horizonte.

Mais obra descaracteriza a rua

Com a duplicação da avenida Antônio Carlos, a Rua Itapecerica vai ficar ainda mais descaracterizada. Os casarões, as lojas de móveis antigos - os pitorescos antiquários - vão dar lugar a mais um viaduto que integrará o novo complexo viário. Com ele, mais comerciantes e moradores deixam a Itapecerica, que se torna quase que somente uma via de acesso, como no início, antes da construção da Antônio Carlos. Uma rua que reuniu boemia, comércio e residências, e até uma pequena vila, que ainda resiste.
Para o encarregado responsável pela obra no trecho próximo à Rua Rio Novo, Edson Santos, as obras "não vão interferir na rua Itapecerica". No entanto, quando questionado sobre os imóveis que serão desapropriados, se contradiz e admite que a obra vai retirar aqueles que estão às margens da avenida. Isso elimina mais dois quarteirões de construções. Segundo Edson, não houve problemas nas desocupações. "Quando houve resistência, o aumento no valor das indenizações venceu os moradores e comerciantes", explica.
A segunda fase das obras de duplicação da Antônio Carlos, entre a Rua Operários e o Complexo da Lagoinha, é uma parceria entre o Governo do Estado e a Prefeitura de BH. Nesta etapa, a avenida ganhará sete novos viadutos e terá quatro faixas por pistas e duas faixas centrais exclusivas para ônibus. Estão sendo investidos R$ 250 milhões, sendo R$ 190 milhões do Estado e R$ 60 milhões da prefeitura, para alargamento da pista, construção dos viadutos e as desapropriações. A previsão é que as obras sejam concluídas em maio de 2010. Trabalham atualmente no trecho cerca de 800 operários, demolindo imóveis e construindo novos viadutos.

Projetos revitalizam a Itapecerica

Mas nem tudo é desagregação. Uma iniciativa que tem dado novo fôlego à Itapecerica é o projeto Radioescola Ponto Com, realizado na Escola Estadual Silviano Brandão, situada num tradicional ponto da rua. O projeto é uma parceria entre a escola e o Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH), coordenado pela professora Wanir Campelo, do curso de Jornalismo.
"Através do Radioescola, os alunos se tornam multiplicadores de conhecimento, levam para suas casas e sua região o que aprendem no projeto", ressalta Wanir. "No ano passado, os moradores da região participaram, contando suas experiências para a produção de programetes sobre a história do rádio. Neste ano, os alunos funcionam como agentes e levam a história de Tancredo Neves para a comunidade da Lagoinha", explica a professora.
Segundo ela, o objetivo é valorizar a região, mostrando aos moradores que o entorno da Itapecerica se preocupa com eles e quer trocar experiências construtivas para o futuro.
Abrigando alunos que sofrem com a violência da região, a escola, que existe desde 5 de janeiro de 1914, no ano passado recebeu diploma de honra ao mérito da Câmara de Belo Horizonte. A iniciativa das lideranças políticas da região vem ao encontro da necessidade de valorização da escola, que atua como uma alternativa no combate à evasão escolar e à propagação da violência na região.
Além deste projeto, a escola conta com outras atividades educativas, como o Programa Escola Viva Comunidade Ativa; esportes (como o Tae Kwon Do); Projeto Aluno em Tempo Integral; Programa Abrindo Espaços e o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd).


Esta matéria foi produzida e editada
pelos alunos do curso de jornalismo do
Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH): Gabriela Porto Amorim, Natália
da Costa, Patrick Vaz e Wellington Santos.
Supervisão: professor Fabrício Marques
(MG 04663 JP).
Fotos: Gabriela Porto Amorim
e Wellington Santos (6º período).

http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hermes/minas/rua-une-passado-de-gloria-ao-descaso-de-hoje-1.2725
Fonte: Bhtrans

Um comentário:

  1. A construção de complexos viários implicam na desapropriação de moradores onde dificilmente nota-se uma resistência social quanto a desocupação. Diante da indenização paga pelo imóvel os moradores são induzidos pela prefeitura a deixarem suas moradias para alargamento de pista e construção de viadutos. Como consequencia da valorização do transporte particular vemos a substituição de bairros antigos por um complexo viário, a cultura e memória do lugar torna-se esquecida e os espaços públicos deixam de propiciar o encontro de pessoas.

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