segunda-feira, 4 de abril de 2011

Cidade subterrânea

Link:http://madeinjapan.uol.com.br/2006/01/06/cidade-subterranea/

Conheça os subterrâneos da capital japonesa, que ficam entre 20 e 50 metros de profundidade

Já é a quinta vez que moro no Japão. Sabia que a capital japonesa oferece maravilhas turísticas, belas paisagens, templos históricos e prédios ultramodernos. O que eu não imaginava, antes de começar a viver aqui, é que muitas coisas acontecem nos subterrâneos da cidade. Isso mesmo. A cerca de 20 metros ou chegando até os 50 metros de profundidade, existe uma cidade completa, com uma ampla gama de serviços que vai de floriculturas e restaurantes a banhos de águas termais e caixas eletrônicos. Os japoneses podem fazer quase tudo sem sair debaixo da terra.
Para fazer esta reportagem, recebi a missão de passar um dia inteiro nos subterrâneos de Tokyo. Esses espaços interligam trens, metrôs e lojas de departamentos, e eu nunca tinha prestado atenção a sua existência. Achei que seria difícil passar tanto tempo no chikagai, que em português quer dizer “cidade subterrânea”.
Acompanhada do fotógrafo Satoshi Hosoya, aceitei o desafio. Deixei a redação, localizada no bairro de Komagome, ao norte de Tokyo, e peguei a linha de trem circular Yamanote, rumo a Shibuya, uma das estações mais movimentadas da cidade. A estação tem ligação direta com o subterrâneo, e nem pus os pés na superfície. Nos dias chuvosos, essa é uma vantagem para quem não quer se molhar. Olhei em volta e não tive a menor impressão de estar debaixo da terra. Aliás, é fácil esquecer que se está a 20 metros de profundidade quando a atenção vai para a infinidade de lojas de todos os tipos situadas no local.
O comércio da galeria subterrânea de Shibuya, conhecida como Shibuchika, é muito parecido com as áreas comerciais dos bairros japoneses. Mas bem diferente dos modernos shopping centers.
É impossível não dar uma paradinha nos estandes dispostos pelos corredores que vendem lapiseiras, canetinhas coloridas, sacolas estampadas com a personagem Hello Kitty (uma verdadeira mania japonesa) e cordõezinhos decorativos para telefones celulares, os populares sutorappu (do inglês strap).
Na hora do almoço, não é necessário deixar a galeria subterrânea. É fácil encontrar pratos típicos japoneses ou mesmo um cardápio mais internacional ali mesmo, na área de restaurantes do subsolo. Como na superfície, os pratos ficam expostos em vitrines, para facilitar a escolha do cliente.
Após o almoço, aproveitei para fazer uma retirada em um caixa automático ATM. Em seguida, fui a um terminal de Correios para enviar alguns postais para o Brasil, mas, antes, parei em uma banca de jornais e revistas japoneses.

Coloque uma moeda e tente pegar o bichinho de pelúcia. Não é tão fácil quanto parecePelas galerias, também se tem acesso aos depachikas, os subterrâneos das lojas de departamentos (os chamados depatos). À primeira vista, eles lembram uma feira livre por causa da variedade de itens expostos em banquinhas. Com um detalhe: são bem mais sofisticados.
A limpeza e a organização dos depachikas impressionam, mas os preços não são nada convidativos. Um obentô (refeição japonesa) pode custar cerca de 30% mais caro que se fosse comprado em outro lugar. A maioria das freguesas não liga, pois são donas de casa com alto poder aquisitivo ou jovens assalariadas que aproveitam a volta do trabalho para ir às compras sem o incômodo de pegar frio ou chuva.
Caixas ATMs estão espalhados pelos chikagais: praticidade para retirar dinheiroRetornei à plataforma da estação de Shibuya, na linha Yamanote, para chegar à galeria Meitengai, que fica próxima à estação de Tokyo. No subterrâneo da Meitengai, é possível encontrar todos os tipos de personagens de desenhos animados, de novelas ou mesmo bichinhos de pelúcia. A maior atração é a loja Ultraman World M78, inaugurada em 1997.
Da estação de Tokyo, tomando a linha de metrô Marunouchi, cheguei à estação de Korakuen, onde está a alegria de milhares de criancas e adolescentes japoneses. Trata-se do parque de diversões Kourakuen. Mas não é preciso ir à superfície para se divertir. O parque, que fica próximo ao estádio Tokyo Dome, abriga o Geopolis, que reúne uma das mais badaladas opções em diversão eletrônica da cidade.
Ao final de um dia sob a terra, pude constatar que, para quem tem um tempinho a mais antes de um compromisso, os chikagais são a perfeita combinação entre lazer e locomoção. Além de evitar que as pessoas se molhem nos dias de chuva, também é uma ótima saída para driblar o intenso movimento das ruas. Mas isso não significa que se possa fugir por completo das multidões. Mesmo nos chikagais, você pode ser atropelado por alguém mais apressado. Por isso, cuidado!
Nos subterrâneos, é possível comprar cartões-postais, jornais e revistas japoneses
Para chegar à superfície, há placas indicativas nos corredores das galerias. É aconselhável lê-las atentamente, para não seguir pelo corredor errado. Você pode acabar saindo em uma região totalmente oposta à qual pretendia chegar.
No meu caso, desci ao chikagai e retornei ao bairro de Komagome pela linha de metrô Namboku. Terminei meu dia em grande estilo, voltando pelo subsolo, é claro.

Curiosidades do centro da Terra

 
1 - O Japão é um dos poucos países que enterra seu estoque de petróleo. Graças a essa reserva subterrânea, o país é um dos únicos no mundo nos quais o preço da gasolina não oscila, mesmo durante conflitos no Oriente Médio.
2 - Em casos de terremoto, as construções subterrâneas são
mais seguras, porque o tremor é menor debaixo da terra.
3 - Existem mais de 80 galerias subterrâneas espalhadas por todo o país, somando um total
de quase 1,07 mil quilômetros construídos.
4 - A Nagahori Chikagai é a galeria mais extensa do Japão. Ela fica em Osaka e tem 81 quilômetros, divididos em quatro andares subterrâneos.
5 - A Biblioteca Nacional de Tokyo está localizada em Nagatacho. Tem 8 andares subterrâneos, os quais chegam a 30 metros de profundidade. Além de economizar espaço na “cidade de cima”, a construção da biblioteca no subsolo tem outro motivo: a temperatura. Ela foi construída dessa maneira para garantir uma temperatura mais baixa, propícia para a conservação dos livros.

Crescimento para baixo

Em um país 23 vezes menor que o Brasil e que tem uma população de 127,3 milhões de habitantes, não é de se admirar que todos os espaços sejam aproveitados e, mais ainda, que novas áreas sejam criadas como alternativas para a expansão das cidades.
Diante desse fato, os japoneses não tiveram dúvidas: decidiram, literalmente, crescer para baixo.
O aproveitamento do subsolo foi uma das maneiras encontradas para facilitar a vida dos moradores dos grandes centros.
Lojas de importados e produtos tropicais fazem a festa das mulheres japonesasAs galerias subterrâneas se formam ao redor das maiores e mais movimentadas estações de trem e metrô. A primeira galeria, a Sudacho, surgiu em 1932, próxima à estação de Kanda, em Tokyo. O espaço ainda existe, embora atualmente não seja mais usado pelo comércio.

Feiras de luxo

Os andares do subsolo das lojas de departamentos são utilizados para a venda de produtos alimentícios. Eles são chamados de depachitas e estão se especializando cada vez mais em oferecer alimentos de alta qualidade.
A grande variedade e o nível dos produtos são reconhecidos por revistas e pela mídia nipônica.
  
Misto de passagem e centro de compras, as galerias fazem parte da vida dos japoneses“No subsolo, o transporte e o descarregamento tornam mais fáceis a reposição diária de produtos”, explica Sachiko Shindou, gerente da loja de departamentos Keio, do bairro de Shinjuku, região central de Tokyo.
“Na nossa loja, um dos produtos que têm mais saída são os obentôs, comida pronta, principalmente no horário do almoço, e por isso procuramos oferecer a maior variedade possível”, completa Shindou.
Venda de peixes no chibuchika de Shinjuku: produtos variados e de qualidadeNo Japão, quem é dono de uma área, possui não somente a superfície, mas também a profundidade.
Porém, em breve, com a aprovação de uma nova lei sobre os espaços subterrâneos, esse sistema vai sofrer uma mudança drástica.
De acordo com pesquisadores do Centro de Pesquisa para o Uso e Desenvolvimento Subterrâneo, a nova lei permite que espaços localizados a mais de 40 metros da superfície sejam usados para as construções públicas.
“Até o ano passado, os proprietários do terreno tinham direitos ilimitados quanto à profundidade, mas agora o governo autoriza o uso dos espaços abaixo de 40 metros da superfície”, explicou Tamura Akira, diretor do Departamento de Pesquisas Tecnológicas do Centro de Pesquisas para Uso e Desenvolvimento Subterrâneo.
A principal utilização desses espaços deve ser para o transporte, um dos maiores problemas dos centros urbanos do país.

Um comentário:

  1. O Japão é um exemplo de país que devido à explosão demográfica tem convivido com a necessidade de aumento de demanda por redes de serviço, circulação, locais de encontro e principalmente por ESPAÇO URBANO. Diante desse problema o poder público desenvolveu medidas corretivas na legislação de planejamento urbano do país objetivando estabelecer um maior equilíbrio entre os usos existentes nas cidades e suprir a escassez de espaços públicos. A criação de diretrizes de planejamento urbano para a utilização dos subsolos foi uma alternativa encontrada para atender a demanda principalmente em relação ao sistema de transportes que constituí um dos principais problemas urbanos do país, a priorização na utilização de transporte coletivo é fundamental diante da necessidade de maior fluidez no trânsito e da mobilidade.

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